Sunday, 7 February 2021

Estudo de personagem

 Observação para quem não leu, nem viu a série: tem um spoiler sobre o texto dos Baskervilles.


Sherlock Holmes é uma figura dark, sombria, assim disse o ator Jeremy Brett, que fez o canônico Holmes da série da TV Granada entre 1984 e 1994. Ele deve estar certo, pois mergulhou no personagem, leu todo o cânone várias vezes e, como acredito e defendo,  é  um co-autor, pois deu mais complexidade, criou um Holmes mais robusto, round character,  ao mesmo tempo fiel ao original, apenas curvando a ramagem - bending the willow

Não era a minha impressão inicial sobre Mr. Holmes. Como todo mundo, eu focava nos poderes de indução, observação, dedução, e todo esse  estereótipo. Mas o personagem é mais complexo. Tem, claro, sua tendência de addict, dependente químico, cuja mente precisa de estímulos constantes, e também sua finesse de esteta. Ora, por influência da série, e da recomendação de Brett,  estou lendo o cânone - os textos de Arthur Conan Doyle - e, claro, acompanhando com a série, em que deliciosa e fluentemente os atores falam os diálogos textualmente - e desta feita percebi de onde vem esse insight de Brett.

E vem justamente de The hound of the Baskervilles - O cão dos Baskervilles - em que, pela maior parte da ação, Holmes está escondido, observando de longe, para não alertar o astuto criminoso que ameça seu cliente. E Dr. Watson, acreditando que seu amigo detetive está em Londres, em suas andanças pelo moor de Dartmoor - uma paisagem pantanosa com grandes elevações rochosas, chamadas de "tor" - acaba percebendo uma figura misteriosa, vista ao contraste da lua, e descobre que esse ente furtivo está habitando uma das construções neolíticas abandonadas - e não poupa adjetivos para descrever essa aparição como figura dark, sombria, misteriosa ...

Pois, o que Dr. Watson está percebendo, e  descrevendo, é justamente seu amigo Holmes - mas o percebe em sombra, e o descreve em sombra. Mas é ele mesmo. É uma parte essencial do personagem, como my darling actor Jeremy Brett percebeu, com sua sensibilidade excepcional. 

Bem, a sombra, em termos junguianos, não é alheia ao self, faz parte, mas não está à frente.

Brett atribui esse caráter do personagem a uma característica da época. Em uma entrevista, e também no que foi reportado no livro de David Stuart Davies, diz: "Lembre-se de que era o tempo de Dracula, de Stoker, de Dr. Jekyll, de Stevenson, e de Dorian Gray, de Wilde. Era um período bem sombrio".  

Quite so. 







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